O luto - O Adeus - A Entrega



Busco em minhas lembranças de infância referencia do que aprendi sobre a morte e o que recordo são palavras esparsas que soam longínquas dizendo: 
-Precisamos orar pelas almas.
São palavras que não traduziam a imortalidade do ser,nem  um entendimento sobre a morte, mas  de que as almas nobres protegiam os homens no plano terreno.
Essa informação, sem esclarecimentos maiores  ficava mais   na obrigatoriedade de orar para esquecer preocupações,  do que entendimento por qualquer coisa.
Lembro-me de minha avó paterna de origem italiana, e minha mãe usando luto quando meu avô morreu. 
A roupa preta dava uma nostalgia sem fim, o que me fazia  perguntar o tempo todo quando ela o tiraria.
Lembro-me que o corpo dos mortos era velado em casa utilizando-se a sala ou outro cômodo qualquer para acomoda-lo.
Eu como criança pensava que jamais poderia estar ali novamente, pois esta imagem ficaria em minha mente para todo sempre.
De lá pra cá muita coisa mudou.
Os velórios são feitos no necrotério com os devidos cuidados e higiene. As pessoas enviam flores, ou participam do velório junto a família. Pode-se colocar musica, e trazer os representantes oficiais de cada  religião para orarem. Dependendo da escolha pode haver a cremação do corpo, e a família pode participar da solenidade prestando a última homenagem. Historicamente falando; desde eras remotas o homem enterrou seus entes queridos. 
Fósseis humanos foram encontrados enterrados e protegidos em cavernas há cem mil anos atrás. Numa cova de neandertal foi encontrado flores o que demonstra certa capacidade emocional de entendimento.
Esses cuidados facilitaram o estudo da antropologia pois encontraram muitos fosseis reunidos. Como o ocorrido em Menton ( Morim 1997) onde existe a gruta das crianças.
O significado de enterrar os mortos é de que eles sobrevivem. Isso explica os alimentos e armas deixadas junto a eles.
Os que viviam em comunidade acreditavam ser esse momento especial para todos, assim todos pranteavam o morto.
Em algumas aldeias conta a História que pessoas que estavam prestes a morrer eram levadas ao centro da aldeia, onde todos poderiam vê-la, visitá-la  e receber algo que lhe pertencia, o qual ela ia se desfazendo, deixando às pessoas, como herança de seus dias na Terra. Situação onde se percebe como o mundo em sua simplicidade deixava clara a necessidade premente das utilidades materiais, mas também a oportunidade do desapego pela própria pessoa, que compartilhava o que ele amava com quem lhe era caro.
Cada época tem sua sabedoria.
As vezes deixamos nos levar pelas ideias que o passado os costumes traduziam ignorância, mas dentro do contexto espiritual essa  era uma possibilidade bendita onde o homem em sua simplicidade emergia de si mesmo no aprendizado paulatino.
Com certeza o nascer e o morrer são os maiores momentos da vida.
Momentos nos quais não devemos ser avaros e restritivos em nossa solidão, mas pródigos no compartilhamento.
Hoje em face da dinâmica que envolve nossa vida tudo é feita em tempo antecedente, eliminando possíveis preocupações pois na manhã seguinte tudo tem de voltar ao normal.
O que é alarmante, pois, deixamos de trabalhar  um dia para ir ao funeral de alguém e com certeza esse tempo terá de ser  reposto, senão teremos problemas.
Não colhemos flores no campo, nem usamos lenços brancos ou bordados de fina cambraia no bolso do paletó ou na bolsa para enxugar lagrimas que escorrem pelos olhos e pelo nariz.
Não colocamos  roupa especial não orou, ou mantemos silencio durante o féretro, o que de mínimo seria de se esperar. Apenas dizemos por telefone rapidamente:
- Onde será o enterro ? Qual o lugar e  a hora ?
-  Deixe que fulano eu aviso.
-  Só vai dar para esperar o corpo no cemitério, ou então ir ao necrotério e depois ir embora.
-   Ah o homem dinâmico de nossos dia ! 
Quanto dinamismo mesmo perante a morte.
Morre-se apenas uma vez.(se você não for reencarnacionista).
E eu não posso perder tempo nem mesmo nessa situação.
Valores, são questões de valores....
Também uma questão de despertamento...
Será que somente em face da dor extrema da perda da pessoa que amamos refletimos sobre estas questões? Exigimos a presença de todos, e achamos que ela era bem amada pois todos choraram, e ficaram inconsoláveis pelo acontecido?
Nós somos o homem do século XXI que perdeu a inocência dos tempos primitivos. Mas que ainda está no primitivismo do amor ao nosso semelhante tendo dificuldade de expressar seus sentimentos.
As palavras não saem quando vamos cumprimentar as pessoas durante o funeral.
Se não cuidarmos, acaba saindo um : Oi tudo bem!
É difícil dizer:
- Meus sentimentos! - Sinto muito!
Ou :  - Estou aqui para dar o meu abraço neste momento.
Ou: simplesmente:
- Fique com Deus!  - Deus te abençoe e fortaleça, nesse momento!
- Ah! As palavras.  Quão difíceis para se expressar.
São tão difíceis como os lencinhos de cambraia que não existem mais. Ou tão frágeis como o lenço de papel que agora utilizamos.
Tão frágeis e fininhos que descartamos em qualquer lugar e eles se decompõem rapidamente.
Respeito muito respeito neste momento nesses recintos nessas palavras.
Alguém retorna a Casa do Pai, não sabemos se combalido ou vencedor. Apenas sabemos que sobreviveu as vicissitudes terrenas.
Sua hora chegou. Tudo tem seu fim. Não podemos fazer mais nada...
Respeitemos seu momento, oremos, façamos sua entrega ao Pai.


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